Trabalhos Acadêmicos

Entre as atividades desenvolvidas durante o Mestrado em Educação, destaco a crônica "Pés de barro": quem (não) os tem!?. A crônica é resultado da apresentação do painel sobre o livro de Rui Mayer, Letras Canibais uma crítica ao humanismo em educação. Os escritos vem mostrar sob o ponto de vista nietzschenamente  os pés de barro daquele que é o maior ídolo da educação brasileira: Paulo Freire.Teria Paulo Freire pés de barro?


“Pés de barro”: quem(não) os tem!?

Maria Reginalda Soares da Silva[1]

Terceiro painel a ser apresentado. Equipamentos montados, turma de mestrandos em Educação a esperar, equipe de apresentação ansiosa e apreensiva ao primeiro sinal da professora de Filosofia da Educação para dar início à apresentação. Os painelistas estavam sentados conforme a ordem de apresentação do painel e a "parte" que lhes cabia.
Ao primeiro sinal da professora, o painelista responsável pela introdução do livro: “Letras Canibais: um escrito de crítica ao humanismo em educação”, apresenta-o dizendo que um dos objetivos do autor Rui Mayer era mostrar os pés de barro daquele que é considerado o maior ídolo da educação brasileira: Paulo Freire. Todos ouvem, não apresentam sequer um comentário. No entanto, por mais que não seja lançada uma pergunta à equipe, algumas interrogações precisam ser apontadas: Por que Paulo Freire teria pés de barro? O que significa ter pés de barro? O que levou Rui Mayer a afirmar que Paulo Freire teria pés de barro? Como ele mostraria os pés de barro de Paulo Freire?

Ilustração 1 - Friedrich  Nietzsche
Sem provocações, nem comentários por parte do grupo, mesmo com as inquietações latentes, o mestrando apresenta Rui Carlos Mayer como filósofo, mestre em Educação, que desenvolveu crítica filosófica de/na filosofia através de leituras político-educacional de Nietzsche, Althusser, Foucault e Deleuze. Seu livro, “Letras Canibais”, está dividido em seções cujas denominações se intitulam: permitam uma apresentação, duas palavras introdutórias, a natividade do homem teórico, uma “Educação” para... a Salvação, a demasia dessa humana educação e para uma crítica da atual “Educação”, tendo com base teórica Sorel, Nietzsche, Foucault e Deleuze, representando, assim, o referencial de analise e críticas culturais.
Para mostrar os “pés de barro” de Paulo Freire, o painelista introdutor diz que, utilizando as palavras do prefaciador SílvioGallo,  Mayer aplica a proposta de Nietzsche de se filosofar com o “martelo”, exercitando a iconosclaustia à literatura educacional brasileira contemporânea, na tentativa de se construir um diálogo da filosofia com a educação, na busca de novos elementos para a filosofia da educação de forma a abandonar a Ética e a Antropologia e dialogar com a educação a partir da Epistemologia. Rui traz o fogo da revolução como uma possibilidade de uma nova educação, não através da boa nova, mas através do riso. Mas quem seria(é) Paulo Freire?
Ilustração 2 - Paulo Freire
Paulo Reglus Neves Freire, pesquisador pernambucano, representa um dos maiores e mais significantes educadores do século XX. Sua pedagogia mostra um novo caminho para a relação entre educadores e educandos, caminho este que consolida uma proposta político-pedagógica, elegendo aqueles como sujeitos do processo de construção do conhecimento mediatizados pelo mundo. Em seus livros encontra-se a base antropológica que sustenta as suas posições diante do mundo. O humanismo para Paulo Freire é um compromisso radical com o homem concreto, complementado pela esperança. Para um compromisso autêntico é necessária a consciência crítica.

Ilustração 3- "Estátua de Nabucodonosor/Daniel"
Teria Paulo Freire relação com a “Estátua de Nabucodonosor/Daniel”? Haveria relação entre ser o ídolo e o sonho de ser educador, filósofo? A expressão “pés de barro” em uso seria originária desse período? O que conta a história que Nabucodonosor teve um sonho onde via um grande rei com cabeça de ouro, o peito e os braços de prata, o ventre e os quadris de bronze, as pernas de ferro e os pés em parte de ferro e em parte de barro. Sonho este que se tratava, segundo o profeta Daniel, de uma visão do futuro onde ele conquistaria muitos reinos e outros viriam depois deles. E os pés, uma fraqueza. A despeito disso muitas lendas surgiram. O rei por mais poderoso que fosse, por ter os “pés de barro” poderia ser destruído por isso. Teria Paulo Freire se tornado ídolo a partir de seu(s) sonho(s)/idéias?
O painelista que sucedeu o da parte introdutória, na perspectiva de mostrar um escrito de crítica ao humanismo, tendo como foco Paulo Freire, fala de um Nietzsche com um objetivo de transvalorar todos os valores. Um pensador provocante, um mestre da suspeita, de novas idéias e de novos valores; não na substituição de novos valores, mas na supressão do solo a partir do qual eles foram colocados para engendrar novos valores. A exposição sobre o apolínio e o dionisíaco feita por Nietzsche conduzia a uma crítica à tradição filosófica e às objeções sobre modernidade. Esta caracterizada como a época do desencantamento do mundo. A vida humana que se enquadrava num sistema de valores e sentidos, cuja base era a religião ou a metafísica, agora é desvalorizada.
Na seqüência, o painelista sucessor, diz que Mayer faz uma relação entre a crítica à modernidade e a crítica a Paulo Freire. A Filosofia da Educação deste pensador anseia a ordenação e a transformação do mundo em conformidade com o ideal abstrato e moralista baseado no humanismo existencial e marxista. Uma “Educação” para...a Salvação. Pensar a educação a partir das provocações de Nietzsche é permitir compreender o contrário da teoria educativa moderna.
Para o desfecho da apresentação, segundo o último painelista, Mayer apresenta uma crítica da atual “Educação” como proposta revolucionária ao sistema da moderna educação ético-humanista, na busca de um ensinar aos homens concretos como imitar o dever-vir-a-ser do Homem abstrato, na recusa de uma perspectiva universalizante. Ele diz que, nos espaços de formação dos profissionais, os professores deveriam recriar suas atividades, passando de intelectuais da reprodução cultural para intelectuais da crítica efetiva e radical.
Nesse perspectivismo, ele acrescenta a necessidade de reformulação dos currículos em propostas de restrições (disciplinas técnico-didáticas, historiográficas), eliminações (propostas que servissem à exclusiva doutrinação metafísica/religiosa) e promoções (disciplinas de teoria e crítica da cultura, do conhecimento e da educação, estudos de pesquisa crítico-critativos). A nova filosofia (do ensino e) da educação deveria se converter num espaço de gládio criativo permanente, de agitação político-cultural, de divulgação teórica do que há de mais atual e radical na Filosofia (Pós) Moderna. Isso, assim, seria novo e diferente, contrário e agressivo.
Se ao final há um desejo do autor de “morte ao triste e velho, mesmo ao bom velhinho, nórdico ou tropical” e uma necessidade de compreensão por parte daqueles que assistiam ao painel, o que ou quem seria o triste ou bom velhinho? Seriam as idéias “velhas” e “boas” daqueles que pensam(vam) uma educação universal, igualitária e justa que contrariam o novo, o diferente, o contrário e agressivo? Se para Nietzsche “derrubar ídolos” era(é) parte de seu ofício, seria isso o mesmo para Mayer? Seria Paulo Freire um ídolo ou um educador do seu tempo? Para ter “pés de barro” precisa ser ídolo? Se há por todo lado ídolos ou sonhadores, “pés de barro”, quem (não) os tem!?
 
Maria Reginalda Soares da Silva


[1] Professora graduada em Licenciatura Plena em Geografia   - UFPI, especialista em Informática na Educação – UNICAP/PE e em Geografia – UFPI e mestre em Educação – UFPI.